O RETORNO A LUZ
De volta para casa, percebo que os meus passos vão sendo apagados, e a minha existência se desfaz pouco a pouco, como uma roupa velha ou um chinelo gasto pelo tempo. Já sou uma memória esquecida no presente.
Meus passos lentos denunciam que a caminhada foi longa e exaustiva.
Da pressa que havia antes restam apenas lembranças, e no ar sinto o cheiro da última estação.
Chegará o dia em que serei apenas uma lembrança distante, e com o passar do tempo serei esquecida para sempre.
Então, findarão também todas as evidências da minha existência, como se o vento levasse o último vestígio de quem um dia fui.
E, no entanto, há uma paz serena nesse desaparecimento. Como se o ciclo natural das coisas me acolhesse em seus braços silenciosos, lembrando-me de que tudo o que nasce também deve partir. Já não há medo no pensamento da ausência, apenas uma leve compreensão de que o tempo cumpre seu propósito com justiça.
Cada ruga que o espelho reflete conta uma história, cada marca no corpo é um testemunho de lutas travadas, amores vividos, lágrimas derramadas e risos que um dia ecoaram alto. Tudo o que fui está impresso em algum canto da memória do universo, ainda que invisível aos olhos humanos.
Enquanto caminho, percebo que a casa à minha frente não é apenas o abrigo de paredes e telhado, mas um símbolo do retorno à origem. É como se cada passo me aproximasse de um reencontro com a essência com aquilo que permanece quando tudo o mais se apaga.
Talvez, o esquecimento humano não seja o fim de tudo. Talvez exista uma eternidade que se revela não nas memórias que deixamos nos outros, mas na centelha de amor, fé e bondade que semeamos pelo caminho. Essas sementes, mesmo invisíveis, germinam no coração de quem as recebeu sem saber.
E assim sigo, com o coração leve, aceitando que a vida é uma estrada que não se percorre em vão. A pressa se foi, e em seu lugar ficou a gratidão. Aprendi que o valor da existência não está na permanência, mas no significado.
Ser esquecido não é ser inexistente é apenas fazer parte do mistério do tempo, que tudo transforma, tudo renova.
Quando o último vestígio de mim se dissolver no horizonte, espero que o vento leve também um sussurro o eco suave de alguém que viveu intensamente, que amou, que chorou, que acreditou. E que, mesmo esquecida, deixou no invisível uma pequena chama de eternidade.
E quando esse reencontro acontecer quando o corpo cansado finalmente repousar e o tempo deixar de contar as horas, sei que não haverá mais o peso da saudade nem o medo do esquecimento. Porque diante da eternidade, o que parecia perdido será restaurado.
A alma, então livre das limitações humanas, verá com clareza o que antes só podia sentir em fragmentos o propósito de cada dor, o valor de cada lágrima e a beleza escondida nas despedidas.
O lar que me aguarda não é feito de tijolos, mas de luz. É o abrigo das promessas cumpridas, o lugar onde as vozes do passado não ecoam mais em tom de ausência, mas de plenitude. Lá, as lembranças não ferem elas florescem. Lá, o amor não morre ele se torna essência.
E talvez seja por isso que, mesmo caminhando entre as sombras do esquecimento, algo em mim permanece vivo a esperança silenciosa de que não serei esquecida por aquele que me formou. Porque mesmo que o mundo apague o meu nome, o Criador jamais apagará o meu ser do Seu coração.
Enquanto os dias passam e as marcas do tempo se aprofundam, percebo que há beleza nesse processo de desapego. A juventude se vai, os rostos conhecidos se distanciam, as vozes diminuem mas dentro de mim cresce um jardim que o tempo não toca. É o espaço sagrado onde Deus habita, onde a alma repousa e onde a eternidade começa ainda aqui.
Entendo, agora, que o verdadeiro retorno para casa não é físico, é espiritual. É voltar ao ponto de partida, à origem onde o amor divino me criou, ao sopro inicial que me deu vida.
Cada lembrança apagada na terra é uma memória acesa no céu. Cada passo lento é uma aproximação do descanso prometido. E, embora eu sinta que minhas forças se esgotam, percebo que é justamente na fraqueza que a graça se revela.
O tempo, esse escultor invisível, não me destroi ele me molda. Ele retira o supérfluo, apaga as vaidades, e deixa apenas o essencial a alma em sua pureza, pronta para o reencontro com o eterno.
Quando o último suspiro se misturar ao vento, quero que ele leve a paz de quem compreendeu que a vida é um breve ensaio para a eternidade. Que a minha existência, mesmo breve e esquecida, tenha sido um fio de luz entre tantas sombras.
E se um dia alguém cruzar o mesmo caminho e sentir uma leve brisa tocar o rosto, talvez, sem saber, sinta o eco da minha presença não como uma lembrança triste, mas como um sinal de que a vida continua, de que o amor nunca morre e de que tudo volta ao seu princípio.
Porque voltar para casa é mais do que regressar ao ponto de partida é ser envolvida pela misericórdia do Criador, que transforma o fim em recomeço e o esquecimento humano em memória divina.
Assim, encontro paz. E sei que, mesmo quando o tempo apagar meu nome, o céu continuará a pronunciá-lo com ternura porque em Deus, nada se perde, tudo se transforma e vive para sempre.
E assim, com o coração sereno, deixo que o tempo cumpra o seu papel e que o vento leve o que precisa partir. Já não temo o esquecimento, pois compreendo que a alma que amou jamais se apaga ela se dissolve na luz, tornando-se parte do infinito. O lar eterno me chama com suavidade, como o entardecer que anuncia o descanso após uma longa jornada.
E quando enfim cruzar o limiar da eternidade, saberei que não fui esquecida, apenas voltei para onde tudo começou aos braços de Deus, onde o tempo silencia e a vida nunca tem fim.