O CLAMOR DE JESUS NA CRUZ
A frase “Eloi, Eloi, lama sabactâni?” É uma das mais importantes e controversas palavras de Jesus durante sua crucificação. Proferida por volta da nona hora do dia, ou seja, cerca de três horas da tarde, conforme descrito em Mateus 27:46 e Marcos 15:34, essa expressão, em aramaico, ecoa uma sensação de angústia, desespero e aparente abandono. Traduzida para o português, significa: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. Ao ouvir essas palavras, muitos que estavam presentes ao pé da cruz ficaram perplexos, achando que Jesus estava clamando por Elias, uma figura profética no Judaísmo.
Entender o contexto e o significado por trás dessa declaração exige uma análise profunda tanto do sofrimento físico de Jesus quanto do seu sofrimento espiritual. Durante sua crucificação, Jesus experimentou uma agonia indescritível, não apenas por causa da dor física extrema da crucificação que era uma forma brutal de execução romana, mas também por causa do peso do pecado da humanidade que Ele estava carregando sobre Si. Segundo a teologia cristã, Jesus estava suportando o castigo pelos pecados de toda a humanidade, sendo Ele mesmo inocente. A angústia de Jesus, portanto, era tanto física quanto espiritual.
A frase de Jesus, no entanto, não deve ser interpretada simplesmente como um grito de desespero sem esperança. Muitos estudiosos acreditam que Jesus estava citando deliberadamente o Salmo 22, que começa com essas exatas palavras: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. Este Salmo, atribuído ao rei Davi, começa com uma expressão de sofrimento e sentimento de abandono por Deus, mas, conforme o Salmo avança, a narrativa muda para uma confiança na salvação e na vitória final de Deus. Assim, alguns intérpretes sugerem que, ao citar essa passagem, Jesus estava se identificando com o sofrimento descrito no Salmo, mas também antecipando a redenção e vitória que estavam por vir.
O contexto mais amplo desse brado, então, nos leva a refletir sobre a teologia do sacrifício de Jesus. A doutrina cristã tradicional ensina que, naquele momento, Jesus estava carregando o pecado de toda a humanidade, e essa separação momentânea de Deus foi o preço que Ele pagou pela salvação do mundo. A sensação de abandono que Jesus experimentou pode ser vista como parte do processo redentor, em que Ele se tornou um sacrifício perfeito pelos pecados, fazendo a mediação entre Deus e a humanidade.
No entanto, é crucial lembrar que a frase de Jesus não é o final de sua história. Três dias após Sua morte, Ele ressuscitou, completando Sua missão redentora. A ressurreição de Jesus é a evidência da vitória sobre o pecado, a morte e o abandono. Nesse sentido, a frase “Eloi, Eloi, lama sabactâni?” pode ser vista como um prelúdio para a gloriosa restauração que viria com a ressurreição.
Essa frase também ressoa profundamente no coração dos cristãos ao longo dos séculos, especialmente para aqueles que passaram por momentos de sofrimento, dor ou sensação de abandono. Muitos acreditam que, ao proclamar essas palavras, Jesus se identificou com o sofrimento humano em sua forma mais crua, demonstrando que Ele entende as dores e lutas da humanidade. Ao viver a experiência de sentir-se abandonado, Jesus se solidariza com aqueles que, em algum momento, também se sentem distantes de Deus ou desamparados em seus sofrimentos.
Além disso, o brado de Jesus nos convida a refletir sobre a natureza da fé em meio à dor. Às vezes, nas nossas próprias vidas, podemos experimentar sentimentos de abandono, nos perguntando por que Deus parece distante ou por que as coisas são tão difíceis. No entanto, assim como o Salmo 22, que começa com um grito de angústia mas termina com louvor e confiança, somos lembrados de que o sofrimento não tem a palavra final. Em Cristo, há esperança, mesmo nos momentos mais sombrios, porque a promessa da ressurreição nos garante que, assim como Ele venceu a morte, também podemos encontrar vitória em meio ao nosso sofrimento.
Portanto, a frase “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” é, ao mesmo tempo, um grito de dor e uma declaração de profunda verdade espiritual. Ela nos lembra da profundidade do sacrifício de Jesus e de sua identificação com a condição humana, enquanto aponta para a esperança redentora que é encontrada na ressurreição e no amor restaurador de Deus.
Essa expressão final de Jesus na cruz, “Elioi Eloi lamá sabactâni?”, também desafia nossos próprios conceitos de fé e sofrimento. Muitos se perguntam como o Filho de Deus poderia sentir-se abandonado. No entanto, esse momento destaca a plena humanidade de Cristo. Ele, que nunca pecou, experimentou a profunda separação de Deus causada pelo pecado, o que torna o sacrifício de Jesus ainda mais significativo. Ele entrou no espaço mais profundo do sofrimento humano, de forma que ninguém possa dizer que Ele não entende nossas dores e perdas.
Para os cristãos, esse brado de Jesus não é um sinal de derrota, mas uma porta aberta para a reconciliação com Deus. Ele enfrentou o sentimento de abandono para que a humanidade nunca precisasse enfrentar o verdadeiro abandono de Deus. Sua morte e, mais importante, Sua ressurreição, completaram o plano divino de redenção, oferecendo a todos a chance de estar em comunhão com Deus.
Assim, as palavras “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” podem ressoar em momentos de angústia pessoal, mas também nos lembram da promessa da ressurreição, onde o sofrimento é transformado em glória e a solidão em comunhão eterna com Deus. É um convite à confiança, mesmo no meio da dor.