COMO PASSARINHO NO TELHADO
Ouve, Senhor as minhas súplicas, e cheguem a ti os meus clamores, sou como o pelicano no deserto, como a coruja das ruínas. Não durmo e sou com o passarinho solitário nos telhados. Salmo 102.1,5-7
Esse trecho do Salmo 102 é uma oração profundamente comovente de alguém que está sofrendo intensamente e busca socorro em Deus. Ele traz uma expressão de dor profunda,de solidão e angústia, mas também de fé perseverante, não esconde a sua afliçao e clama com sinceridade diante de Deus.
Pelicano no deserto: simboliza desolação e isolamento de uma criatura acostumada à água, agora perdida em terra seca.
Coruja nas ruínas: está associada ao abandono, ao silêncio sombrio de um lugar destruído.
Passarinho solitário no telhado: representa a solidão extrema e a vigília inquieta, um coração que não encontra descanso.
Mesmo em meio à dor, o salmista não deixa de orar. Ele reconhece que seu único refúgio está no Senhor. Esse texto nos convida a levar nossa angústia ao trono da graça, sabendo que Deus ouve e se compadece.
“O Senhor é refúgio para os oprimidos, uma torre segura na hora da adversidade.” (Salmo 9.9)
Esta é uma oração marcada por profunda angústia. E nesses versos em especial, sentimos a dor crua e honesta de um coração quebrantado. O salmista não finge estar bem. Ele não disfarça sua fragilidade diante de Deus, mas se coloca exatamente como está: esgotado, ferido e solitário.
A intensidade do clamor: “Ouve, Senhor, a minha súplica”. Esse pedido não é casual, é o grito de quem chegou ao limite. A palavra “súplica” carrega a ideia de insistência e dependência uma oração feita com lágrimas, quando as palavras quase não bastam.
Ele descreve também, um corpo afetado pela dor emocional: “Por causa do meu gemer, os meus ossos se apegam à minha carne”. A tristeza é tamanha que afeta até sua saúde física. A dor interna consome suas forças, seus ossos parecem colar à pele sinal de fraqueza extrema, talvez até de jejum profundo causado pela aflição.
O pelicano é uma ave aquática. Colocá-lo no deserto é colocá-lo fora de seu habitat, como quem diz: “Estou fora do meu lugar, sem sustento, exposto à aridez da vida”. Assim se sente o salmista.
A coruja, criatura da noite, vive entre lugares abandonados. É uma metáfora da solidão e do abandono. O salmista se sente cercado por destruição talvez emocional, espiritual ou até literal e sem ninguém ao redor.
O Passarinho solitário no telhado: Essa imagem final é talvez a mais tocante. O telhado é o lugar mais alto da casa, de onde se observa tudo, mas também um lugar isolado. Um passarinho solitário ali representa aquele que vigia em silêncio, distante de qualquer comunhão, sem companhia ou consolo. É uma figura de vigilância cansada, de alguém que perdeu o sono e a paz.
E mesmo assim, mesmo envolto em dor, ele Ora. Esse é o milagre da fé, não é a ausência de sofrimento, mas a presença de uma confiança que sobrevive mesmo à escuridão. Ele sabe que Deus o ouve. Ele não fala ao vazio.
Essa passagem nos ensina que podemos e devemos levar nossa dor mais profunda ao Senhor. Não precisamos escondê-la, suavizá-la ou moldá-la em palavras bonitas. Deus recebe o grito do coração sincero, o gemido de quem não aguenta mais.
Se hoje você se sente como o pelicano no deserto, como a coruja nas ruínas ou como o passarinho solitário no telhado, saiba que há esperança. O mesmo Deus que ouviu o salmista ouve você. Ele é o Deus que vê no secreto, que recolhe nossas lágrimas e transforma o lamento em louvor.
“O Senhor edifica a Sião e se manifesta na sua glória. Ele atenderá à oração dos desamparados.” (Salmo 102.16-17)
Somos convidados a entrar num espaço sagrado onde a dor é reconhecida como parte da experiência humana diante de Deus. Diferente de uma espiritualidade triunfalista que ignora o sofrimento ou tenta disfarçá-lo com frases prontas, este salmo nos mostra que a Bíblia valida a angústia e mais ainda, nos ensina a orar com ela.
A linguagem poética utilizada não é apenas decorativa, ela comunica com precisão o estado da alma. Ele se compara a três aves solitárias e deslocadas: o pelicano no deserto, a coruja nas ruínas e o passarinho nos telhados. Cada uma representa uma dimensão diferente do sofrimento humano.
O pelicano no deserto aponta para a sensação de estar em um lugar estranho, seco, inóspito. Assim como o pelicano precisa de água, o salmista sente falta da “água viva” da presença de Deus. Isso representa os momentos em que nos sentimos deslocados até mesmo em nossa fé, como se estivéssemos espiritualmente desidratados, sem acesso ao que antes nos dava vida.
A coruja nas ruínas fala de uma espiritualidade entre escombros. É como alguém que olha ao redor e só vê o que foi destruído: relacionamentos, sonhos, segurança, saúde, comunhão. A coruja é também uma ave noturna, o que remete à escuridão interior, e à introspecção forçada. É o tipo de dor que nos isola e nos obriga a viver entre os destroços.
Já o passarinho solitário no telhado mostra outro tipo de sofrimento, o isolamento visível. É como alguém que todos veem, mas poucos compreendem. O telhado é alto, mas não é lar; é um lugar de vigilância e espera. Esse passarinho representa aquele que perdeu o sono, que vive à espera de uma resposta, de um consolo, de uma palavra. Está próximo do céu, mas ainda se sente distante de Deus.
O que impressiona é que, em meio a tudo isso, ele continua orando. Ele não nega sua dor, mas também não a deixa calá-lo. Ele clama. Essa atitude revela um dos maiores segredos espirituais que encontramos nas Escrituras, a dor não é o fim da fé é o terreno onde ela amadurece. É na angústia que descobrimos o Deus que ouve. É no desespero que a oração se torna mais verdadeira.
Essa oração se torna, portanto, uma confissão de confiança. Ao dizer “cheguem a ti os meus clamores”, ele está afirmando que acredita que suas palavras não se perderão no vento. Elas têm um destino: os ouvidos e o coração de Deus.
Muitas vezes, nos sentimos como o salmista: nossos ossos colados à pele, a alma seca, o espírito abatido. Mas é justamente nesses momentos que precisamos lembrar que Deus não está ausente. Ele está ouvindo, mesmo quando parece em silêncio. Ele está presente, mesmo quando tudo à nossa volta parece vazio.
O restante do Salmo 102 mostra que, depois de derramar sua alma, o salmista começa a declarar quem Deus é: eterno, fiel, restaurador. Ou seja, a oração sincera transforma a perspectiva. Não necessariamente muda imediatamente a situação, mas muda quem ora. Quando abrimos o coração diante de Deus, sem máscaras nem ensaios, encontramos consolo verdadeiro não por ignorar a dor, mas por saber que ela foi acolhida no colo do Pai.
Assim, essa passagem é um convite para você hoje que está lendo esta reflexão, não esconda sua dor de Deus. Use palavras, gemidos, lágrimas. Deus não se ofende com sua fraqueza. Ele se aproxima dela. E na solidão do telhado, no silêncio das ruínas, Ele vem, fala, e restaura.
Esta oração é na verdade, um espelho para todos os que já experimentaram noites insones, dores sem nome e silêncios que pareciam eternos. A beleza deste salmo não está em esconder o sofrimento, mas em transformá-lo em linguagem diante de Deus. É a fé que se recusa a morrer, mesmo quando tudo parece perdido.
Muitas pessoas imaginam que a fé é apenas júbilo, cântico de vitória. E de fato, a fé inclui essas coisas. Mas a fé bíblica, genuína, também passa pela dor, pela espera e pelo choro. A presença desses versos nas Escrituras nos ensina que há espaço legítimo para o lamento na vida espiritual. Deus não apenas permite que o aflito fale. Ele registra suas palavras eternamente em Sua Palavra. Isso nos dá a certeza de que Ele não rejeita os corações quebrantados, antes, os acolhe com ternura.
E mesmo em meio à sua aflição,devemos permanecer em oração. E nunca murmurando contra Deus; está falando com Deus. A fé madura é aquela que entende que Deus é suficientemente grande para receber todas as nossas emoções da alegria à angústia.
Ao longo do salmo, depois de declarar toda a sua dor, o salmista começa a lembrar-se do caráter imutável de Deus. Ele diz: “Tu, Senhor, permanecerás para sempre” (v.12) e “ouvirá a oração dos desamparados” (v.17). Isso mostra um movimento espiritual: a oração não apenas desabafa a dor, mas renova a esperança. O sofrimento não é ignorado, mas também não tem a última palavra.
Essa é a mensagem poderosa do Salmo 102: Deus não é indiferente ao nosso sofrimento. Ele ouve. Ele responde. Ele restaura. E mesmo que a resposta não venha de imediato, a certeza de que fomos ouvidos já traz alívio ao coração cansado. O pelicano pode estar no deserto, a coruja entre as ruínas, e o passarinho solitário no telhado mas Deus está presente em todos esses lugares.
E como Cristo. Jesus, em sua humanidade, também conheceu o abandono, a angústia e a solidão. No Getsêmani, ele clamou com gemidos. Na cruz, sentiu-se desamparado. Ele sabe o que é ser o “passarinho solitário”. Mas porque Ele sofreu, hoje podemos orar com confiança, sabendo que temos um Sumo Sacerdote que se compadece das nossas fraquezas (Hebreus 4.15).
Portanto, se hoje sua alma está ferida, solitária ou exausta, clame. Fale com Deus como você está. Use palavras simples, lágrimas sinceras, silêncios profundos e saiba que Ele ouve. Sua dor não é invisível aos olhos do Pai. Ele colhe cada lágrima, fortalece cada coração fraco e traz esperança até nos desertos mais áridos. E se preciso for medite nesta breve oração e fale com Deus
“Senhor, tu conheces o meu coração e vês tudo o que me aflige. Às vezes me sinto como o pelicano no deserto, sem direção, como a coruja nas ruínas, cercado pelo que foi destruído, e como o passarinho solitário, vigiando em silêncio. Mas mesmo assim, eu clamo a Ti. Ouve o meu grito, acolhe a minha dor e sustenta-me com tua presença. Renova em mim a esperança de que Tu permaneces para sempre e que o Senhor não despreze os desamparados. Em nome de Jesus, amém.”