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A chama que insiste em brilhar

A CHAMA QUE INSISTE EM BRILHAR

Nem de longe o que pensamos é, de fato, uma realidade absoluta. A mente, poderosa e silenciosa, é capaz de construir mundos inteiros dentro de nós e também de destruí-los. Quantas vezes acreditamos firmemente em algo que, mais tarde, se mostra mera ilusão. Quantas verdades defendemos com convicção, apenas para descobrir que não passavam de sombras criadas por medos, traumas ou desejos mal resolvidos.

Somos, muitas vezes, enganados por nossa própria consciência. A mente, quando desgovernada, pode nos aprisionar em um labirinto de interpretações equivocadas, sensações distorcidas e memórias fragmentadas. Ela molda a realidade com base no que sentimos, e não necessariamente no que é. E tamanha é a força que exerce sobre nós, que pode confundir até mesmo o coração que, em teoria, deveria ser bússola e refúgio.

E assim, movidos por esses sentimentos dissonantes, a alegria começa a se apagar lentamente, quase sem que percebamos. Em seu lugar, instala-se uma tristeza que não chega de súbito, mas que se infiltra aos poucos, como água em rachadura de pedra. Quando nos damos conta, já estamos afundando em um mar de dúvidas e angústias. O sorriso cede lugar ao silêncio, o entusiasmo se torna apatia, e os dias passam a carregar um peso que antes não existia.

Somando todos esses fatores, é como se estivéssemos a bordo de um comboio que, de repente, perde os trilhos. Um trem em alta velocidade, sem direção certa, prestes a colidir com a própria existência. Nessa hora, por mais que sejamos resilientes, por mais que tenhamos aprendido a levantar depois de cada queda, não é fácil encontrar o caminho de volta. Há uma força contrária, quase invisível, que puxa para baixo, que sussurra que é melhor desistir, que não vale mais a pena tentar.

Realinhar os passos exige coragem. Exige reconhecer que estamos perdidos e esse talvez seja o maior desafio. Somos ensinados a sermos fortes o tempo todo, a não demonstrar fraqueza, a manter a compostura. Mas é na sinceridade com nós mesmos que começa a verdadeira reconstrução. É preciso olhar para dentro com honestidade, mesmo que isso nos obrigue a enfrentar dores antigas, culpas mal resolvidas, frustrações que fingimos esquecer.

O caminho é árduo, sim. Mas é também possível. Aos poucos, com passos firmes, mesmo que lentos, podemos ir reconstruindo a rota. E talvez, lá na frente, ao olhar para trás, percebemos que a dor teve um propósito: nos ensinar a ouvir com mais atenção, a sentir com mais profundidade e a viver com mais verdade. Porque, apesar de tudo, ainda há beleza no recomeço.

E é nesse processo de reconstrução que começamos a perceber que não há fórmulas prontas. Cada ser humano carrega em si um universo único de experiências, dores e esperanças. O que funcionou para um pode não funcionar para outro, e isso precisa ser aceito com humildade. Às vezes, tentar se ajustar a padrões alheios é justamente o que nos afasta de nós mesmos. A comparação é uma armadilha sutil e silenciosa, mas corrosiva que mina nossa força vital.

Quando estamos feridos, buscamos respostas imediatas, atalhos que possam nos tirar rapidamente do desconforto. Mas há dores que não se apressam, que precisam do tempo para amadurecer a cura. Algumas respostas só surgem no silêncio, outras, no caos. Há dias em que a única coisa que conseguimos fazer é continuar respirando e, mesmo assim, isso já é uma forma de resistência. O simples ato de seguir, mesmo sem direção clara, já é um movimento em direção à luz.

No meio desse caminho difícil, algo começa a se transformar. Entre uma lágrima e outra, entre uma queda e um novo recomeço, uma centelha de esperança insiste em não se apagar. É frágil, quase imperceptível, mas está ali. E, quando decidimos cuidar dela, como quem protege uma chama contra o vento, ela cresce. Devagar, mas cresce. A alma, então, começa a reencontrar seu compasso. Não se trata de voltar a ser quem éramos antes, mas de aprender a ser quem somos agora  depois da tempestade.

Descobrimos que a dor, apesar de indesejada, também nos molda. Ela nos mostra onde estão nossas rachaduras e, ao mesmo tempo, onde está a nossa força. Há uma beleza crua em quem foi quebrado e, ainda assim, escolhe amar. Há uma sabedoria profunda em quem sofreu e, mesmo assim, decide recomeçar sem amargura. Essas pessoas não voltam a ser as mesmas tornam-se versões mais verdadeiras de si.

E nesse caminho de retorno, aprendemos a valorizar o que antes passava despercebido: um abraço silencioso, uma manhã sem pressa, um café quente em dia frio. Coisas simples ganham um novo significado. A vida, mesmo com suas sombras, volta a ter cor. E, embora os medos ainda existam, já não paralisam. Já não dominam. Tornam-se apenas parte da paisagem, não mais os senhores do percurso.

Também aprendemos que pedir ajuda não é fraqueza, mas sabedoria. Há força em reconhecer que não conseguimos sozinhos. Às vezes, tudo que precisamos é de alguém que caminhe ao nosso lado, mesmo em silêncio, apenas para lembrar que não estamos sós. O ser humano foi feito para compartilhar, para dividir o peso e multiplicar a esperança.

A jornada continua. A estrada ainda é longa, e talvez nunca esteja totalmente livre de pedras. Mas agora sabemos: mesmo quando tudo parecer escuro, mesmo quando a mente quiser nos enganar novamente, existe dentro de nós uma centelha  e ela, sim, é verdadeira. Ela nos lembra que é possível recomeçar, sempre.

A verdade é que viver é um constante renascer. A cada dia, somos convidados a escrever uma nova página, mesmo que a anterior ainda esteja manchada por lágrimas ou arrependimentos. A vida não exige perfeição, mas presença. Ela nos chama para estar aqui, agora, mesmo com os cacos, mesmo com as dúvidas. E é nesse estado de imperfeição assumida que, paradoxalmente, encontramos paz.

Não há como voltar ao início, mas sempre é possível começar de novo. E recomeçar não é negar o que passou, é honrar a história, aprender com ela e seguir em frente com mais consciência. Carregamos cicatrizes, sim, mas elas não precisam ser feridas abertas para sempre. Com o tempo, elas se tornam marcas de superação, lembretes de que sobrevivemos a batalhas que pareciam impossíveis.

A jornada interior é silenciosa e, muitas vezes, solitária. Mas ela nos conecta com o que há de mais essencial em nós. Aprendemos a ouvir a intuição, a respeitar os limites, a perceber que o verdadeiro equilíbrio não está em nunca cair, mas em saber como se levantar. E quanto mais nos aproximamos de nossa verdade interior, mas nos tornamos livres.

Talvez nunca tenhamos respostas para tudo. Talvez a mente continue, vez ou outra, a pregar peças, tentando nos convencer de inverdades, de medos antigos. Mas agora, fortalecidos pela experiência, já somos capazes de olhar esses pensamentos com mais distância, com mais discernimento. Já não acreditamos em tudo que ela diz. Já não damos voz ao que só nos prende.

Ao final desse caminho, o que fica é a certeza de que valeu a pena continuar. Que cada passo, mesmo trêmulo, nos trouxe até aqui. E que esse “aqui” é suficiente. A paz não está no destino final, mas na forma como caminhamos, na maneira como escolhemos encarar cada curva, cada pedra, cada pôr do sol.

Portanto, que nunca nos esqueçamos: dentro de nós habita uma força que o mundo não pode tirar. Uma chama que, mesmo nos dias mais escuros, insiste em brilhar. Que sejamos gentis com nossa história, pacientes com nossos processos e fieis à nossa essência. Porque, no fim das contas, viver é isso: cair, levantar, aprender e continuar. Sempre continuar.

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