A BATALHA INVISÍVEL DA ALMA
Quando o meu “eu” e o meu orgulho se unem, de forma meticulosa, contra minha alma e meu coração, fagulhas se espalham por todos os lados. É um embate silencioso, mas devastador, que começa dentro de mim sem que ninguém perceba, mas que ecoa em tudo ao meu redor. O choque é inevitável. Ele colide com aquele ideal já moldado no íntimo, construído com base na fé, na Palavra, na obediência e no desejo sincero de agradar a Deus.
Nesses momentos, percebo como o orgulho é sorrateiro. Ele não grita, mas sussurra. Ele não aparece como inimigo, mas como aliado da razão humana, sempre pronto a justificar atitudes, sentimentos e pensamentos que se distanciam da verdade. O “eu”, por sua vez, se levanta como dono da vontade, querendo tomar as rédeas do coração, da mente e até da fé. Juntos, o eu e o orgulho tornam-se uma aliança perigosa uma conspiração contra a nova criatura que fui chamado a ser.
É nesse campo de batalha invisível que o Espírito Santo se manifesta, não com violência, mas com firmeza. Ele me lembra quem sou em Cristo. Traz à tona versículos esquecidos, palavras ouvidas em silêncio, experiências vividas com Deus que marcaram minha história. Ele não me força, mas me chama de volta. Como um Pai que vê o filho se afastar, Ele espera que eu decida entre alimentar o velho homem cheio de orgulho, vaidade, medo e autopreservação ou me render, mais uma vez, à cruz.
Essa luta entre a carne e o espírito não é nova. Paulo já falava dela em sua carta aos Gálatas: “Porque a carne luta contra o espírito, e o espírito contra a carne, porque são opostos entre si, para que não façais o que porventura seja do vosso querer” (Gálatas 5:17). Esse texto nos mostra que o conflito não é um sinal de fracasso espiritual, mas de vida espiritual. O morto não luta. Quem está espiritualmente vivo sente o peso da batalha, mas também conhece o caminho da vitória.
Quando o meu eu e o meu orgulho se levantam contra mim, preciso me lembrar de que fui crucificado com Cristo. Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. Essa verdade precisa ser mais do que uma frase bonita: ela precisa ser a rocha sobre a qual construo minhas decisões, emoções e reações.
A verdadeira fé não é ausência de conflito, mas a escolha diária de negar a si mesmo, tomar a cruz e seguir a Cristo. Não com perfeição, mas com sinceridade. Não com força própria, mas com dependência do Espírito.
E assim, a cada dia, mesmo em meio às fagulhas, sigo sendo moldado não pelo orgulho, mas pela graça.
Por vezes, imaginamos que crescer espiritualmente significa chegar a um ponto em que não sentiremos mais essa luta interna. Pensamos que, se estivermos realmente andando com Deus, tudo será paz, domínio próprio e estabilidade. Mas a verdade é que quanto mais próximos de Deus estamos, mais percebemos as profundezas do nosso próprio coração e como ele pode facilmente se inclinar para caminhos errados se não estiver rendido à vontade do Pai.
Jesus foi claro quando disse: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Lucas 9:23). Negar-se a si mesmo é justamente o que esse “eu” orgulhoso mas resiste em fazer. É dizer “não” para vontades legítimas aos olhos do mundo, mas que estão fora do propósito divino. É colocar os pés no chão da humildade e reconhecer que não temos todas as respostas, que precisamos de direção, correção e, muitas vezes, de recomeço.
O orgulho tenta manter as aparências. Ele finge ter controle, aparenta sabedoria, ostenta uma fé que, no fundo, está desgastada pela falta de quebrantamento. Ele odeia o arrependimento porque o arrependimento revela fraqueza e o orgulho quer parecer forte. O “eu” prefere uma vida religiosa a uma vida rendida. Prefere as práticas espirituais às transformações profundas. Prefere seguir Deus de longe, a ter que abrir mão de si mesmo todos os dias.
Mas a alma que se entrega, ainda que com lágrimas, encontra descanso. Encontra paz. Não porque tudo está resolvido, mas porque Deus toma o controle. Quando nos rendemos a Ele, abrimos espaço para que Ele molde nossa identidade com base no que Ele diz, e não no que sentimos ou pensamos de nós mesmos.
O orgulho e o ego dizem: “Você precisa provar seu valor.” Deus diz: “Em Cristo, você já é aceito.”
O ego diz: “Você não pode falhar.” Deus diz: “Na sua fraqueza, o meu poder se aperfeiçoa.”
O orgulho diz: “Você não precisa de ajuda.” Deus responde: “Sem mim, nada podeis fazer.”
Nesse processo, o coração começa a ser reeducado. A alma, antes ferida e em guerra, encontra alívio na presença de um Pai que não exige perfeição, mas verdade. Um Pai que não quer aparência de santidade, mas santidade real, que nasce do arrependimento sincero e da comunhão contínua com Ele.
O Evangelho de Jesus não nos chama apenas para crer, mas para morrer. morrer para nós mesmos, para nossas vontades, para nossas resistências. É uma morte diária, e por isso é um chamado contínuo. Mas cada morte interior gera uma nova vida. Cada vez que vencemos o orgulho, floresce em nós a humildade. Cada vez que negamos o “eu”, nasce em nós um espaço mais amplo para Cristo habitar.
E é assim que somos transformados. Não de uma só vez, mas de glória em glória, conforme a imagem do Filho. Não por nossas forças, mas pela graça que nos sustenta. A luta entre o eu e a fé não precisa terminar em ruína. Ela pode se tornar o lugar de vitória se escolhermos, todos os dias, nos render Àquele que já venceu por nós
A maturidade espiritual não se revela na ausência de batalhas internas, mas na forma como lidamos com elas. Cada vez que escolhemos a humildade ao invés do orgulho, o quebrantamento ao invés da rigidez, e a fé ao invés do controle, avançamos mais um passo no caminho da semelhança com Cristo. Não se trata de vencer uma guerra de uma vez por todas, mas de vencer pequenas batalhas diárias, no silêncio do coração, onde só Deus vê.
É nesse lugar secreto que as maiores transformações acontecem. Quando o Espírito Santo confronta o nosso “eu”, Ele não o faz com condenação, mas com amor. Ele nos mostra o quanto ainda há de egoísmo em nossos relacionamentos, o quanto nosso orgulho ainda se esconde nas entrelinhas de nossos discursos piedosos. Ele revela que, muitas vezes, usamos até a fé como um meio de autopromoção, e não de entrega.
Mas mesmo diante dessa realidade desconfortável, Deus não nos abandona. Ele nos atrai com Sua misericórdia. Como um oleiro paciente, Ele continua moldando o vaso, mesmo quando este se quebra em Suas mãos. Ele refaz, reconstrói e renova. Tudo isso, não porque merecemos, mas porque Ele é bom. Porque Seu propósito vai além do que podemos ver, e Seu amor insiste em nos transformar.
Por isso, ao perceber que o orgulho e o ego estão tomando espaço demais, não fuja. Não tente ignorar, justificar ou encobrir. Vá para a presença de Deus. Abra o coração. Seja sincero. Diga como se sente. Diga o que está lutando para entregar. Chore, se for necessário. Lembre-se de que Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes (Tiago 4:6).
A verdadeira libertação acontece quando paramos de lutar contra Deus e passamos a lutar com Deus contra tudo o que nos afasta dele. Quando trocamos a resistência pela rendição, a vaidade pela verdade, o orgulho pela obediência. E nesse lugar de rendição, descobrimos uma liberdade que o mundo jamais poderá oferecer a liberdade de sermos filhos, amados, aceitos, sustentados pelo o nosso Senhor e Salvador. Amém.